O velho abriu os braços e disse que na sua juventude aconteceu um caso extraordinário em Brumado no sudoeste da Bahia. Foi por volta de 1920. Era o caso de Jandira, a viúva bonita, cujo marido Celestino foi morto durante entrevero com os mocós do coronel Justino Capistrano de Oliveira, de Rio de Contas.
O velho disse:
“Naquele tempo, era como no tempo dos reis. Cada cidade tinha um coronel. E cada coronel tinha um exército. O pessoal da capital não aparecia no sertão.”
Ele explicou:
“O nome de mocós para os capangas do coronel Justino era porque ficavam escondidos na fazenda do coronel e só apareciam quando chamados.”
Aconteceu, porém, de o chefe político de Brumado, para agradar os homens da capital, entrar em desacordo com o coronel Justino e seus aliados na região.
“Para punir o chefe de Brumado, o coronel Justino mandou invadir a cidade. Os homens cercaram Brumado, acamparam ao redor. Os mocós eram chefiados pelo capitão Rufiniano Juvenildo de Alencar, o Cachaço Louco. Homem feio, forte, malvado e devasso. Mais tarado impossível.”
O velho disse:
“Quando esta figura soube que havia viúva bonita na cidade e que o marido foi morto por seus homens, mandou aviso: ele queria desfrutar da viúva, antes de destruir Brumado.”
O velho continuou:
“Todo mundo pensou que Jandira fosse negar, fosse fugir, como a maioria das pessoas. Mas Jandira tomou banho, passou perfume, botou roupa bonita e no começo da noite foi com a empregada Divina Cipriana para o acampamento dos mocós.”
O velho tinha a história fresca na memória:
“Chegando lá, entrou na tenda de Cachaço Louco, enquanto Cipriana ficou do lado de fora.”
Os ouvintes ficavam tensos e esperando exatamente esta parte da história:
“Dentro da tenda fez tudo o que uma vadia sem categoria faz, deixando Cachaço Louco satisfeito e cansado. Quando ele pegou no sono, Jandira chamou Divina Cipriana e com a ajuda da empregada usou a própria peixeira do capitão para decapitar o seu pescoço sem piedade. Eram três horas da madrugada quando deixou a tenda. Os homens do capitão dormiam. Apenas alguns montavam guarda e deixaram a viúva ir embora com a empregada. Nem perguntaram o que havia no embornal que ela carregava. Era a cabeça de Cachaço Louco.”
O velho respirou fundo e disse:
“E daí que assim que amanheceu ela reuniu o pessoal que não fugiu da cidade e disse que matou Cachaço Louco. Colocou a cabeça do capitão na entrada da cidade. E foi para a sua casa. Foi aí que o pessoal que não fugiu da cidade, caiu fora de uma vez e a cidade ficou deserta. Ninguém ia esperar a vingança dos homens de Cachaço Louco.”
Mas os homens de Cachaço Louro quando souberam que o chefe foi degolado, foram tomados de pânico e voltaram para a fazenda do coronel Justino, para narrar ocorrido e esperar uma nova ordem. O coronel ficou ainda mais furioso, reforçou o bando que voltou para destruir Brumado.
“Neste vai e volta, os homens do governo chegaram, tomaram conta da cidade, e quando os mocós apareceram, eles foram derrotados. Morreu jagunço que nem pernilongo no meio de uma nuvem de Detefon. O Coronel Justino nunca mais foi gente no sertão da Bahia. Sua vida foi poupada e ele foi confinado na própria fazenda.”.
O avô disse para o neto que ouviu a narrativa:
“Esta é a história de Jandira, a viúva bonita que decapitava a cabeça dos homens maus”.
O garoto ouviu com desconfiança. Mas nunca teve coragem de perguntar ao avô se realmente a história tinha acontecido, porque quando ele a ouviu isto seria um grande desrespeito. O velho não sabia. Mas ele leu alguma coisa parecida com aquilo na Bíblia. Pensando bem, o garoto achou que tanto a Bíblia quanto o avô estavam certos. A história é que tem a mania de se repetir de vez em quando.
Publicado na Tribuna do Paraná no dia 8 de agosto de 2015.