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Edilson Pereira - Escritor e Dramaturgo
Crônicas

Os três maiores duelos do Velho Oeste

duel

Filme clássico de faroeste atinge o ápice no duelo entre mocinho e bandidos. Aprendi esta regra básica ainda criança nas tarde de domingo dos anos 50 e 60, no Cine Maringá. O exemplo é High Noon (Matar ou Morrer), de Fred Zinnemann com Gary Cooper, que indignou John Wayne porque a cidade de Hadleyville, no Novo México, é habitada por um bando de covardes que não ajuda o xerife a enfrentar o vilão Frank Miller, que fugiu da cadeia e quer matar Will Kane. Que acabou de casar e se prepara para cuidar da vida. Mas, agora, tem que defender a cidade. E também se defender. A parada é dura.

O filme do começo ao fim é a preparação para o duelo ao meio dia. Que acontece em grande estilo. No fim do filme, claro. Por estes dias especulei quais os três maiores duelos no Velho Oeste. Como nos duelos sempre tem surpresas, a resposta também tem surpresas. Os três maiores duelos dos filmes de faroeste na realidade são cinco. E quem muito contribuiu para isso foram os italianos que incrementaram os duelos com todo tipo de emoção. Inclusive com o uso de inesperada metralhadora, em Django (1966), que o soturno personagem tira do interior de um ataúde.

Depois dos italianos, duelos “papai-e-mamãe” na rua central da cidade dos filmes clássicos de Hollywood viraram coisa do passado. Os italianos viraram de cabeça para baixo conceitos de Hollywood, acabando com o Velho Oeste épico, ingênuo e romântico. Atores feios viraram mocinhos (Clint Eastwood, Lee Van Clef, Charles Bronson), mocinhos viraram bandidos (o sádico Frank, pistoteiro vivido por Henry Fonda em Era uma vez no Oeste). Sem contar roupas masculinas sujas e maltrapilhas. Tudo isso agradou o público. Dito isto, passemos à lista.

O primeiro grande duelo do cinema para mim é entre Shane e Jack Wilson (Alan Ladd e Jack Palance) no bar do lugarejo lamancento nos confins do Wyoming no filme Shane (Os Brutos Também amam, de George Stevens, 1953). Um duelo no começo da noite, no interior de um bar, com direito a armadilha evitada pelo mocinho. É o duelo clássico entre pistoleiro bonzinho que quer se regenerar e o homem mau que mata por encomenda. Duelo no final do filme, como manda o figurino, com direito a frase de efeito. Típico happy end da era clássica do faroeste.

O segundo duelo é icônico por uma série de motivos. Já estamos nos faroestes italianos. É o duelo entre Harmônica (Charles Bronson) e os pistoleiros Snaky (Jack Elam), Stony (Wooly Strode) e Frank’s Lietenant (Benito Stefanelli) que o esperam numa estação de trem no meio do nada no filme Era uma vez no Oeste, de Sérgio Leone, de 1968. Leone já era bamba no gênero quando fez este filme. O duelo contraria as normas clássicas. Primeiro porque ocorre no começo do filme. Depois, cada cena é cheia de detalhes e significados. O filme já começa tenso. Os diálogos são curtos, secos e cortantes. “Vocês trouxeram o meu cavalo?” “Acho que está faltando um cavalo”. “Não. Está sobrando dois”.

Os número três e quatro são da trilogia do Homem sem Nome, de Sergio Leone e com Clint Eastwood. Os dois duelos ocorrem numa área circular, como arena de touros deserta. Embora sejam três os participantes de cada um dos dois duelos, o desfecho sempre se dá entre dois oponentes. E para consolidar o parentesco, em ambos estão Clint Eastwood e Lee Van Clef, este mocinho em um e bandido em outro. O primeiro dos dois duelos ocorre em For a few dollars more, de 1965, que no Brasil recebeu o nome de Por alguns dólares a mais. Detalhe: Van Clef é do bando de Frank Miller, em High Noon.

O coronel Douglas Mortimer (Lee Van Clef) está em maus lençóis para um acerto de contas com o psicopata El Índio (Gian Maria Volonté) quando aparece o Pistoleiro Sem Nome e equilibra o jogo. No filme seguinte, The Bad, The Good and The Ugly, de 1966, que no Brasil recebeu o nome de Três Homens em conflito, Van Clef é o vilão Angel Eyes Sentenzas e Eli Wallach é Tuco, mistura de mocinho e bandido. Eastwood continua o Pistoleiro Sem Nome. Ninguém que tenha o menor apreço por faroeste ignora este antológico duelo.

O último dos cinco grandes duelos do cinema é uma síntese dos anteriores. O duelo volta aos Estados Unidos em grande estilo pelas mãos de um discípulo de Sérgio Leone, o seu ator preferido, Clint Eastwood, que se transformou em grande diretor e fez o último dos notáveis filmes de faroeste da história do cinema: Unforgiven (Os Imperdoáveis), de 1992. O duelo volta ao bar, como no primeiro da lista. É também duelo noturno. William Munny é um velho pistoleiro aposentado que abandonou o álcool que o deixava fora de si, não estava se dando bem como criador de porcos e estava meio perdido depois da morte da esposa.

Estava velho, a vida não estava boa e tinha filhos para criar. Atraído por um candidato a pistoleiro chamado Shofield Kid, que além de jovem, atirava mal e não enxergava bem, Munny volta a ativa apesar de velho. Prevaleceu a proposta de ficar com metade dos mil dólares de recompensa. Serviço simples. Matar um cowboy que retalhou com faca o rosto de uma prostituta em Big Whisky, também no Wyoming, que disse que o pinto do cowboy era mixuruca. Ele ficou enfurecido.

Munny leva a tiracolo o amigo Ned Logan (Morgan Freeman). O problema é que eles encontram pela frente o xerife Little Bill (Gene Hackman), mistura de justiceiro com sádico. O cara despachou da cidade com requintes de crueldade o pistoleiro English Bob (Richard Harris). Quando, no final do filme, depois de fazer o serviço, Munny descobre que Little Bill prendeu, torturou e matou o amigo Ned Logan, ele vira bicho. Toma um goró de whisky no gargalo para ficar doidão e volta para acertar contas com Little Bill. Dos cinco duelos este é que tem o maior número de mortos. Duelo no final do filme, como manda a tradição.

1 de January de 2021by edilsonpereira
Crônicas

“Sou mau. Nada tenho de simpático”

Dosto5

A primeira vez não se esquece. O primeiro livro de Fiódor Dostoievski que li foi A Voz Subterrânea, de 1864, tradução de Natália Nunes. O livro também é encontrado como Notas do Subterrâneo, Memórias do Subsolo, Notas do Subsolo e Cadernos do Subterrâneo, este em Portugal. Dos cinco títulos em português gosto mais de A Voz Subterrânea. Comprei o livro no segundo semestre de 1974, fiz o vestibular de Direito na UEM no final do ano e como fui aprovado levei o livro para ler na praia. Foi lá que eu li. Estava de férias no banco e fui com meus primos para Camboriú, naquele tempo melhor que hoje quando a cidade está entupida de gente brega, novos ricos e reacionários.

Um dos motivos para começar Dostoievski por aí foi o tamanho do livro. Cento e cinquenta páginas, aproximadamente, embora a minha primeira edição tenha apenas cento e vinte, mas com letras miúdas. O livro é pequeno se comparar a outros do escritor como Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov e O Idiota, principalmente estes três, grandes livros nos dois sentidos. Certamente não conseguiria ler nenhum desses em uma semana, ainda mais na praia. A Voz Subterrânea é dividido em duas partes – O Subterrâneo, com onze capítulos, e A propósito da neve derretida, com dez capítulos.

A primeira é o relato de um homem ressentido, amargo, sozinho e infeliz que vive abaixo do nível do solo em um edifício de São Petersburgo. Há quem veja no livro os primeiros lampejos do existencialismo. Eu acho que ele tem mais tonalidades expressionistas, talvez por causa do quadro O Grito, de Edward Munch. Na segunda parte, que também pode ser traduzida por A propósito da neve derretida, encontramos o mesmo personagem que não revela o nome e percebemos estar diante de um sujeito encurralado socialmente pelos discursos e ações de uma sociedade despótica.

Eu fiquei encantado com a força dos versos de Nikolai Alekseievich Niekrássov que abrem na forma de epigrafe a segunda parte do livro: “Quando o ardor das minhas palavras persuasivas retirou das trevas do erro a tua alma degradada, e que, cheia de uma dor atroz, tu, retorcendo as mãos, amaldiçoaste o vício que te arrastou; quando, castigando a consciência, atormentada pela recordação, me contaste a história toda daquilo que houve antes de mim, e, de repente, ocultando o rosto entre as mãos, cheia de vergonha e de horror, te desfizeste em lágrimas, desolada, convulsa…”. Bem dramático.

O livro começa pesado: “Sou um homem doente… Sou mau. Nada tenho de simpático”. Ninguém pode reclamar do que vem pela frente, se quiser ir em frente. A Voz Subterrânea é apontada como influência em personagens posteriores como Nikolai Levin, de Anna Karenina (Tolstoi), Mersault, de O Estrangeiro (Camus), Gregor Samsa, de A Metamorfose (Kafka) e Moses Herzog, de Herzog (Bellow), além de Travis Bickle, do filme Taxi Driver (Scorsese). O segundo livro de Dostoievski que li alguns meses depois do primeiro foi o também sufocante “Recordações da Casa dos Mortos”. Depois destes dois, ninguém pode dizer que não conhece o universo do mestre russo.

9 de December de 2020by edilsonpereira
Crônicas

Vaya con Dios, amigo!

Antero-5

Antero Rocha morreu esta madrugada em Maringá de infarto enquanto dormia. Era um negro alto, com andar sereno e oscilante, como ginga original. Um personagem famoso na cidade, de estilo peculiar. Ele morava no Conjunto Borba Gato, o primeiro bairro em que morei depois de voltar casado de São Paulo, em agosto de 1980. Naquela época retirado do centro, hoje um bairro tranquilo. Antero tinha 69 anos. Um a mais que eu. Há alguns anos, sabendo que assessorava um vereador, eu o procurei na Câmara Municipal, para falar sobre os velhos tempos.

Mas ele não estava mais lá. Eu não o vi na última vez que quis vê-lo. Antes dessa, não me recordo. Certamente foi em algum dia de 1991, quando me mudei para Londrina de onde, em 1997, me mudei para Curitiba. Ficou este imenso vazio que de resto é o mesmo de muitos amigos da juventude e de boa parte da vida madura, que não revejo. Mas recordo que a primeira vez que vi Antero Rocha foi no começo de 1972, quando retornei a Maringá, depois de largar um inutil cargo de secretário geral da União Paranaense dos Estudantes Secundários em Curitiba, para onde fui na metade de 1971.

Antero assim como Diogenes Gomes estavam no movimento estudantil. Os dois estudavam no Colégio João XXIII. Antero era baiano e antes de Maringá, morou em Cianorte, onde passou parte da adolescência. Ficou alguns anos no movimento estudantil. Não recordo quantos, porque me afastei para trabalhar, primeiro na Alô Brasil por alguns meses e depois por dois anos no Bradesco, de onde sai em 1975 para trabalhar no jornal O Diário do Norte do Paraná, onde em agosto deste ano me iniciei no jornalismo.

Eu ganhava boa grana no Bradesco mas o emprego não permitia tempo para frequentar o curso de Direito na UEM, que comecei naquele ano. Em julho de 1978 me mudei para São Paulo onde trabalhei na Agência Folhas e de onde saiu em agosto de 1980 para retornar casado a Maringá. Este histórico explica em parte como eu era amigo do Antero mas não tinha com ele uma convivência intensa.

Isso não impedia que cada encontro nosso fosse uma pequena festa porque ele era um sujeito inteligente, bem humorado, cheio de histórias, algumas loucas, outras engraçadas, mas todas interessantes de ouvir. Era assim com todos. Antero fez de tudo um pouco na cidade. Ainda quando morava em Maringá recordo dele com aquele sorriso enigmático que nunca sabia se era ironia, diversão ou timidez, dizendo que ia criar uma revista para mulheres. Pensei que fosse gaiatice, mas ele criou Mulher Atual, uma revista para mulheres, que durou vários números.

Ele sempre estava envolvido em algum projeto. Era um tremendo pé de valsa e até onde me recordo, as pessoas que se aproximavam dele gostavam de seu jeito. Participou de campanhas políticas como a do Zé do Bar do Zé (José Bacarim) e de outros. E nos últimos tempos estava envolvido com o projeto Eu Amo Maringá. Escrever sobre ele é também uma forma de escrever sobre um pedaço de meu passado. Vaya con Dios, amigo. Hasta la vista!

 

17 de November de 2020by edilsonpereira
Crônicas

O estigma de Judy Garland

JudyGarland

Em meu livro recente, A loirinha do Charlton Hotel (Editora Baskerville, 345 páginas 40 reais), reúno vinte histórias curtas e uma longa. Longa em relação às outras, embora curta para publicar isolada em livro. O Estigma de Judy Garland foi escrita em 2008 e publicada no formato digital em janeiro de 2012, com outro título. Na época, recebi sugestões para publicar em livro. Como tinha 77 páginas achei conveniente reunir a outras histórias curtas. O que faço agora. É a história de um garoto violentado por um homem poderoso e que cresce habituado a se relacionar com homens.

Não julgo preferências sexuais. Adapto a história que ouvi em 2005 quando fui jantar na casa de amigos homossexuais de minha ex-mulher. Havia um sujeito mentiroso, mas muito mentiroso, que me inspirou a criar um personagem chamado Mon Amour (ele disse ser judeu rico que morou dez anos em Paris. Soube depois que não era judeu, nem morou em Paris), que usei em três crônicas para a Tribuna do Paraná. E havia também uma bichinha irritante. As implicâncias dela com coisas fúteis quase transformaram a noite num jantar desagradável.

Ao voltar para casa comentei com minha ex-mulher. Ela disse para eu ser tolerante porque a vida da bichinha foi um calvário. Embora os pais fossem pobres e humildes, gostavam de fazer swing e deixavam o filho pequeno com um velho vizinho que enrabava o garoto. A história de pobre fazendo swing me espantou mais que velho molestar garoto. Claro que o garoto era o centro da narrativa. A história real deu origem à novela, à qual acrescentei outros episódios. A bichinha não tem nome. Ela cometeu um assassinato e tem que falar sobre ele.

Como é parecida fisicamente com Judy Garland, o delegado a chama por este nome. Assim narro a história de Judy Garland, a bichinha, tendo oculta a de Judy Garland, a atriz. A história de uma é translação da outra. A história da bichinha pobre num lugar perdido é tão trágica como a de uma atriz famosa. Mudam detalhes e episódios. As duas querem ser felizes. A atriz Judy Garland, cujo nome real era Frances Ethel Gumm, é voz marcante do século 20, desde que aos dezesseis anos cantou Over the Rainbow em O Mágico de Oz, filme de 1939.

Ela canta: “Em algum lugar acima do arco-íris, há uma terra que ouvi uma vez em uma canção de ninar”. O verso pode ser interpretado como apelo por uma vida feliz. Judy foi vencedora e perdedora. Não teve uma jornada feliz. Desde jovem consumiu anfetaminas para aguentar ritmo de trabalho e barbitúricos para dormir. Quando morreu em Londres em junho de 1969 aos 47 anos, acharam que suicidou, porque tentou várias vezes. Mas concluíram que a overdose de remédios foi consequência do consumo por toda a vida, agravada pelo alcoolismo.

Judy encheu as burras de Hollywood de grana, mas sofreu. Era feia e baixinha (1h51). Executivos diziam que era feia e gorda. Doía. Mas doeu mais o comentário de Luís B. Mayer. Ele a chamou de “pequena corcunda”. Era insegura com a aparência, casou cinco vezes, quatro divórcios. A moral da novela é que a tragédia não escolhe pessoas, lugar e época. Ava Gardner não escapou do alcoolismo, Lana Turner foi amante de gangster morto pela filha. Elizabeth Taylor teve os seus perrengues. Rita Hayworth idem. Os percursos de Garland foram mais corrosivos. Atriz e personagem. Acontece.

 

15 de October de 2020by edilsonpereira
Crônicas

Quando a paixão termina em sangue

A maioria de meus livros de ficção se relaciona com meu trabalho de jornalista nos últimos de meus quarenta anos de profissão. Em especial depois de fevereiro de 2011 quando o jornal em que trabalhei por mais de dez anos, O Estado do Paraná, fechou e continuei na empresa que o editava como repórter especial da Tribuna do Paraná, tradicional jornal popular de Curitiba com ênfase na reportagem esportiva e policial. No entanto, esta simbiose começou bem antes nas páginas de O Diário do Norte do Paraná, em 2006, o mesmo jornal em que me iniciei na profissão, em 1975.

Foi lá a convite do editor de cultura Marcelo Bulgarelli que tive por alguns anos a coluna de crônicas Fahrenheit. Escrevi mais de cem crônicas para a seção. A certa altura achei que poderia escrever um romance publicando um capítulo e guardando dois na gaveta para evitar apropriação indébita, que já ocorrera algumas vezes com material que produzi para jornais. Assim escrevi o romance A Garota da Cidade, o primeiro de uma trilogia. Portanto, em 2008, quando a Tribuna quis criar uma seção de folhetins, eu tinha experiência em publicar em jornal uma história em capítulos.

Por motivos que neste momento não tem relevância realçar, os folhetins da Tribuna começaram a ser publicados em 2010. Escrevi cinco histórias, das quais três publicadas no jornal. As outras duas não tiveram a mesma sorte porque A Tribuna foi vendida no final de 2011 para o grupo da Gazeta do Povo que achou melhor mudar a linha editorial do jornal popular para tentar atrair leitores de classe média e em consequência anunciantes. O que me levou a publicá-las em livro em 2013, atendendo a sugestões de leitores. Em seguida, publiquei em livro em 2014 e 2015, as três histórias que também saíram na Tribuna.

Foi o que sempre desejei fazer com as histórias de Crimes de Paixão, a série sobre crimes passionais que a Tribuna publicou em 2012. A primeira tentativa foi ainda em 2012, em edição do jornal. A mudança de foco à qual me referi inviabilizou a iniciativa. Em 2017 voltei a pensar no assunto, mas não consegui publicar. E neste ano, apesar da pandemia, acredito que finalmente vou publicar as histórias de Crimes de Paixão. Originalmente eram dezoito. Estão saindo quinze, que foram reescritas. E mais duas histórias que escrevi também para a Tribuna em 2015 e outras para a coluna de crônicas Pelas ruas da cidade.

Crimes de Paixão originalmente era uma série de crimes passionais em Curitiba e arredores, embora uma das histórias tenha ocorrido em Itapoá, litoral de Santa Catarina, próximo ao Paraná. O leitor da Tribuna ficou fascinado com a história real da professora que fez picadinho do amante e levou-o ao forno para depois distribuir assado para os cães da cidade. A curiosidade patológica que transforma cada leitor num mixoscopista não resistia a histórias de maridos que matavam mulheres e mulheres que matavam maridos. E garantia o sucesso do jornal entre as camadas populares da cidade.

A escolha dos casos foi trabalhosa porque se procurou não repetir crimes com as mesmas características para evitar que a série ficasse reincidente e cansativa. E depois que os primeiros casos foram publicados se constatou que ela atingiu o objetivo de seduzir o leitor do jornal. E quando terminou apareceram sugestões para publicá-la em livro. No entanto, preferi migrar os casos para o território da ficção. Esta é a história de meu novo livro, A loirinha do Charlton Hotel. A última das vinte e uma histórias do livro é O Estigma de Judy Garland, uma longa novela que não foi publicada pela Tribuna, mas como pequeno romance no formato digital.

 

14 de October de 2020by edilsonpereira
Crônicas

El libro en los tiempos de la pandemia

Meu próximo livro deveria sair em março. A loirinha do Charlton Hotel é uma série de histórias curtas feitas para a Tribuna do Paraná em 2012. No final tem uma história longa, O estigma de Judy Garland, novela publicada na plataforma digital em 2013. Ao longo do tempo burilei, mudei títulos e acrescentei situações e diálogos nas histórias curtas e conclui que estavam prontas. Faltava publicar. Mas fui adiando. A primeira tentativa foi em 2012 e a última em 2017. Estava angustiado com isso. E este ano atravancou como O Encalhe dos Trezentos, do Domingos Pellegrini.

Meu plano ia além. Queria lançar no segundo semestre a novela policial escrita no final do ano passado. Uma ficção baseada em história real para a Tribuna. A derradeira, antes de deixar o jornal em novembro de 2015. Mas quando ia viajar no começo de março para Maringá para finalizar os dois livros com o Jessé Vidigal, que faz projeto gráfico e diagramação de meus livros depois de 2016, o vírus chegou ao Brasil. E com ele temores, precauções e quarentenas. E mortes. Achei que com rigor tudo estaria controlado entre julho e agosto.

Mas aí entrou em cena o Capitão Cloroquina e parte da população que achava que era gripezinha e ia morrer apenas quem tinha que morrer. Virou uma esbórnia sem fim. Um esculacho. E não podia ser diferente. O resto todos sabem. Estamos vivendo o pesadelo que não sabemos quando termina. Como saia todos os dias, comecei a ficar neurótico no apartamento do São Lourenço. Na metade de maio peguei a cachorra e fui de carro para o litoral. Minha ex-mulher não passava bem. Fiquei oitenta dias. Ela se recuperou e para mim foi excelente mudar de ares.

Fiz passeios por praias desertas com a Belinha. A Cocker Spaniel velha se adaptou por lá. Retornei por causa do câncer dela. Belinha passou por duas cirurgias, a primeira em 2016 e a segunda um ano depois. Mas novo tumor apareceu no começo do ano. A veterinária disse que teria que operar entre agosto e setembro. Mas quando voltei no começo de agosto ela achou melhor esperar mais um pouco. Por estes dias vou pedir para ela buscar a cachorra para um terceiro exame. E, talvez, a terceira cirurgia. A estadia de oitenta dias no litoral rendeu vinte e dois contos para um livro sobre tempos de pandemia. Que espero publicar no ano que vem.

Na volta a Curitiba revisei os contos da praia e a novela para o segundo semestre. O livro tinha 280 páginas. Cortei sessenta. Ficou enxuto. Como as projeções sobre a pandemia foram para o lixo, para não perder trabalho e salvar o ano resolvi ir a Maringá. Teria que ser de ônibus ou avião. Ônibus levaria de seis a sete horas. Avião uma hora. E apenas quarenta reais mais caro. Meu filho Samuel comprou no final de setembro duas passagens para Maringá – ida e volta – pelo cartão de crédito, para os dias 5 e 6 de outubro.

Passei dez dias angustiado. “Será que faço a coisa certa”, pensava dia e noite. Mas os dois livros estavam entalados na garganta e não me deixavam tranquilo. O dia da viagem chegou. Meu filho mais velho, Francisco, me levou ao aeroporto. Quando entrei no avião da Azul, um susto. Não tinha uma poltrona vazia. Fui ao lado de uma velha que retorceu as mãos a viagem inteira. Não era só eu que me preocupava. Jessé me esperava no aeroporto. Cheguei meio dia e vinte em Maringá e fomos direto para a casa dele, num lugar afastado e quase deserto, terreno amplo, para além do Vale Azul.

Pedimos marmitex para não ir a restaurante. Depois do almoço, por volta de treze e quinze, começamos a trabalhar. Fomos até as vinte e três e trinta, com intervalo de meia hora para comprar e comer uma pizza. Fui dormir cansado. Os dois livros estavam finalizados. E gravados no pendrive. Miolos e capas. Agora era acordar na manhã seguinte, esperar as horas passar e voltar para casa. No dia seguinte, continuei na casa do Jessé até perto da hora de voltar, 20h10. Jessé me levou. Mas o avião atrasou e por fim o voo foi cancelado. Jessé tinha voltado pra casa.

A Azul deixou duas opções: voltar de ônibus que sairia em meia hora do aeroporto de Maringá até o Afonso Pena ou de avião na manhã seguinte. Fiquei com a segunda. E, por conta da companhia, fiz um lanche na lanchonete do aeroporto e em seguida fui de táxi para um hotel perto do aeroporto. Nóbile Suítes. Bacana. Terceiro andar. Silencioso. Tomei ducha e cai na cama. Acordei sete horas do dia seguinte, tomei outra ducha e fui para o café da manhã que em hotel bom é sempre bacana. A passagem custou 225 reais e a companhia, pelo atraso, gastou 280 reais comigo com lanche, táxi e hotel.

Saí de Maringá às 10h45 para Campinas. Ao lado de outra velhinha que também foi esfregando as mãos. Quatro poltronas atrás uma velha ainda mais velha, de uns noventa anos, entrou de cadeira de rodas e se alojou. Eu pensei: “Este povo não está sabendo da pandemia?”. Mas quem era eu para perguntar? Também estava ali. Cada um devia ter seus motivos. Cheguei em Campinas pouco depois do meio dia. Esperei o Embraer da Azul, que saiu 14h00 e chegou em Curitiba às 14h35 do dia sete, quarta-feira passada. Francisco me esperava e me levou para casa.

Tudo resolvido. Mas fiquei preocupado. Tomei cuidados, máscara, álcool em gel, até luvas de borracha, mas as coisas em tempos de pandemia são sempre suspeitas. Já se passaram seis dias. Até agora tudo bem. O livro já foi para a gráfica. Deve demorar alguns dias para ficar pronto. A gráfica também está com pessoal reduzido. A aventura ainda não terminou. E tudo pode acontecer. Sobre o livro eu falo amanhã.

13 de October de 2020by edilsonpereira
Crônicas

Semântica e anatomia da buceta

Vagina é a parte do corpo da mulher que a maioria esmagadora dos homens e também parte expressiva das mulheres brasileiras chamam de buceta. Pessoas educadas não falam buceta em público e na frente de crianças. E, no caso de mulheres, nem com pessoas próximas. Preferem uma das centenas de codinomes da perseguida, que é um deles. Tem outras expressões para todos os gostos. De xaninha até prochaska, passando por florzinha até xavasca. São mais de quatro mil nomes. O mais popular e consagrado é a buceta. Homem gosta tanto de buceta que fala sempre o nome como se de repente ela se materializasse diante dele, toda receptiva.

Faz parte da fantasia masculina falar buceta toda hora. Mas buceta no Brasil é palavrão cabeludo. Tão cabeludo que um mafioso italiano chamado Tommaso Buscetta veio se esconder no Brasil, foi descoberto e virou notícia. Mas era chamado em horário nobre pela Rede Globo de Busqueta. A Rede Globo criou uma vertente inesperada do idioma italiano só pra não falar Buceta para todo o país. Tem uma jogadora espanhola de futebol que se chama Ana Buceta. Ela é meio-campista e joga no Málaga. Chegou a jogar na seleção da Espanha, mas a mídia brasileira não dá chance pra ela. Não fala da moça por causa do sobrenome. Por causa da Buceta.

O mais absurdo que buceta é chamada de vagina. Como se ficasse diferente com este nome. Mas tanto buceta quanto vagina são nomes errados. Porque anatomicamente, aquilo que todos chamam de buceta ou vagina é na realidade a parte interna da vulva. Claro que boa parte dos homens não tem a menor ideia do que seja vulva. Mas vulva é o que os homens pensam que seja a buceta. Ela compreende o monte pubiano, os grandes e pequenos lábios, o clitóris, o vestíbulo da vagina, as glândulas de Skene, as glândulas de Bartholin, a abertura da uretra e a vagina. Ou seja, aquilo que o populacho chama de buceta tem este belo nome: vulva.

Eu acho vulva um nome lindo. Soa como nome de imperatriz romana. As imperatrizes romanas tinham estes nomes maravilhosos e pouco usados hoje como Livia, Fulvia, Vibia, Ulpia e Flávia. Botar Vulva no meio ninguém percebe a diferença. Por isso, embora seja poético, claro que pega mal alguém gritar por aí: Viva a vulva da vovó Viviane! Porque vulva é o conjunto a que chamam de buceta. Alguém pode achar que estou maluco. Talvez até esteja. Mas não por causa da buceta. Depois dos sessenta a gente fica senil. E pode ser confundido por maluco. O pior é esquecer as coisas.

Estava há uma semana em Guaratuba numa rede no maior ócio com o celular quando navegando pela internet leio que existiam cinco tipos de vagina. Fui conferir. Quem fez a classificação não foi cientista. Foi uma ex-depiladora íntima que viu e depilou milhares de bucetas. As bucetas apareciam cabeludas e saíam carecas. Ou seja, ela falou respaldada por uma forte base empírica. Mas o texto era superficial e me deixou mais dúvidas que certezas. Uma hora depois não recordava como eram os cinco tipos. E isto não teria o menor problema se não encontrasse um amigo dias depois e por falta do que falar toquei no assunto dos cinco tipos de bucetas.

O cara riu e achou que eu estava de onda. Que inventava e que pela larga experiência dele (nestes assuntos a gente nunca tem como comprovar), ele garantia que buceta era tudo igual. Eu já sabia que não era depois de ler o Relatório Hite nos anos 80. Mas lá não falava em tipos, falava apenas que cada uma é original. O sujeito pediu para eu descrever os cinco tipos. Me estrepei porque só lembrei de dois e sem convicção e detalhes. Reforcei a teoria do cara de que estava de onda. Então decidi procurar o lugar onde li e escrever um texto sobre o assunto para quando falar outra vez sobre os cinco tipos de bucetas eu pedir para o cara em dúvida ler na minha página na internet. É o que estou fazendo.

Porque nesta idade a gente esquece e embaralha, ainda que buceta seja popular. Por exemplo: eu não lembrava mais de Skene e Bartholin. Quando a gente vê uma garota num belo biquíni na praia a única coisa que não pensa é que ele esconde esta dupla, Skene e Bartholin. Parecem nomes de dupla sertaneja americana ou nomes de planetas. É mais fácil imaginar uma nave espacial abordando outra numa galáxia distante e os comandantes trocando o seguinte diálogo: “Você vem de onde, forasteiro?”. “Eu sou de Skene”. “Então me respeite que sou de Bartholin”. E, claro, vão em frente, porque fizeram as devidas apresentações.

A ex-depiladora íntima era chamada de Mel no texto, embora seu nome seja outro. Mel. O que não deixa de ser ironia. Ela depilou milhares de bucetas e se aposentou. Se tem coisa que a dona entende é de buceta. Além de ter uma, manipulou milhares. Jamie LeeLo, uma loira que é escritora célebre e repórter da revista eletrônica Elite Daily, criada em 2012 em Nova York para o público feminino, ficou sabendo e foi lá conferir a história. A revista trata de beleza, moda, estilo de vida e entretenimento. E também de sexo e comportamento. Um documentário que ela fez sobre o uso medicinal da maconha ganhou prêmio nos Estados Unidos. Portanto, o pessoal é sério.

Dito isto, vamos às bucetas. O primeiro tipo é Senhorita Barbie. Não me pergunte porque ela chama buceta de senhorita e porque este primeiro tipo foi chamado de Barbie. Estes detalhes não foram esclarecidos nas traduções que encontrei. Mel diz que Barbie é o tipo mais incomum de buceta, embora seja a forma que a maioria das pessoas acham que a buceta tem. Os pequenos lábios (pregas pequenas que ficam mais ao centro da vulva) completamente envolvidos pelos grandes lábios (tecido adiposo que cerca a região). É a famosa buceta de enciclopédia sexual. Bonitinha, fechadinha e depiladinha, com aquele discreto vale vertical. Conjunto que no jargão jocoso dos homens recebe o nome de “Capô de Fusca”.

O segundo tipo é Senhorita Cortinas. As pregas dos pequenos lábios são mais grandes que os grandes lábios. Em algumas mulheres ficam bastantes visíveis do lado de fora da vulva. Em outras os pequenos lábios dão apenas uma espiadinha e não ficam tão expostos. Mel diz que este é o tipo de buceta mais comum, embora seja encontrado também em combinação com os outros quatro tipos. O terceiro tipo é chamado de Senhorita Cheia. Ou Senhorita Inchada. Dois nomes pouco simpáticos, embora o segundo seja mais apropriado para uma lésbica manguaceira acordando ao meio-dia depois de uma noite anterior de bebedeira.

Este terceiro tipo de buceta tem característiscas do primeiro, Senhorita Barbie, mas com maior prologamento dos grandes lábios, a parte exterior da vulva. Segundo Mel, alguns lábios podem ser mais inchados e outros mais finos e flácidos. Ela diz que a extensão e a flacidez dos lábios não podem ser confundidas como resultado da idade da mulher. E sim caracteristica natural do órgão. O nome mais estranho é o quarto. Senhorita Ferradura de Cavalo.

Este não é antipático quanto ao anterior, mas é no mínimo impróprio. Parece nome de cacique americano em filmes de faroeste. Neste tipo, a abertura entre grandes lábios é mais larga na região superior expondo parcialmente os pequenos lábios. E, naturalmente, mais fechada na parte inferior, onde os pequenos lábios não se estendem para fora da abertura e o formato da vulva fica semelhante a uma ferradura de cavalo. Não me recordo de ter visto algo assim. E, para encerrar, finalmente, a buceta que tem o nome mais lindo na classificação da ex-depiladora íntima. Senhorita Tulipa.

Mel podia usar nomes bacanas como este nos tipos anteriores. Tulipa é o tipo de buceta que lembra um botão desta flor desabrochando. Chega a ser poético. Os pequenos lábios ficam parcialmente expostos pela abertura dos grandes lábios em toda a extensão deles. E a classificação termina aqui. Claro que ela vai por água abaixo se uma Floresta de Sherwood capilar cobrir a vagina. Aí todas ficam que nem a Amazônia ainda não devastada vista de um avião, cuja vegetação oculta riachos e vales. O que não deixa de ser o tipo de buceta mais cobiçado pelos homens. Peludo e misterioso. Afinal, em sexo o mistério vale mais que exposições técnicas como esta feita pela Mel.

 

11 de October de 2020by edilsonpereira
Crônicas

Um revolucionário chamado Julio Cesar

Com dezessete ou dezoito anos eu li um livro do Leon Trotski e passei a ter visão crítica dos rumos da Revolução de Outubro. Isto aconteceu em 1970. O livro me foi apresentado pelo amigo Tadeu Moacir Lima, que em suas andanças pelo Rio e São Paulo tinha virado trotsquista por uns tempos. A partir de então passei a ter uma  visão crítica do stalinismo que era uma deformidade e não solução revolucionária e representado no Brasil pelos PCs, o Partidão e o PCdoB, além de outras agremiações menores. Por isso quando cheguei em São Paulo em 1978, em plena efervescência da abertura democrática, meus primeiros contatos foram trotsquistas. Fui parar na redação do Versus, jornal criado pelo Marcos Faerman e que caiu nas mãos do PST (Partido Socialista dos Trabalhadores, de inspiração trotsquista e influência argentina).

O PST acabou dando origem à Convergência Socialista, que eu achava bagunçada. Para se ter ideia conheci três caras do Comitê Central, um deles estudava comigo na Cásper Libero e além de falar para todo mundo que era do CC (normalmente, por questão de segurança, os caras do CC são muito discretos, quando não ficam escondidos) ele ainda me chamou para entrar para a organização, acenando com a possibilidade de promissora promoção para o Comitê Central em pouco tempo. Achei absurdo. O cara se chamava Jeremias, era bacana, mas maluco. Ia para a escola com enorme chapéu mexicano e às vezes com poncho, o que não era raro naqueles anos. Discrição zero. Ele alegou que o CC tinha 45 membros e sempre tinha gente entrando e saindo e que as minhas possibilidades de ascensão na carreira revolucionária eram grandes, por ter na época 26 anos, ser jornalista e trabalhar a Agência Folhas.

Achei a avaliação rala e quando o milagre é grande o santo desconfia. Acabei entrando para a OSI, também trotsquista, que era ligada a OCI francesa. E talvez com um pessoal mais doido ainda, mas que se levava muito a sério, gostava de rock roll e principalmente de vinhos e boa mesa. Boa parte gente culta, jovens filhos da classe média endinheirada. A questão da boa mesa e cultura foi fundamental para minha opção. Entrei na Ó (era assim que chamávamos, Ó de Organização) no calor da greve dos jornalistas de 1979. Quase todo mundo tinha identidade com organização de esquerda, a maioria com o velho partidão, cujos simpatizantes dominavam o sindicato.

Embora a gente não fosse exatamente Libelu (Liberdade e Luta), que era a tendência estudantil da organização (Ó), todos os militantes da OSI eram conhecidos por libelus. Ser libelu era uma coisa híbrida. Havia um componente charmoso e outro lunático. Vender o jornal O Trabalho era mais difícil que encontrar vida em Marte. O pessoal do partidão ficava apavorado com os libelus. Parecia que tinham medo de se contaminar com nosso esquerdismo. Eu pertencia à célula de um sujeito que era meu amigo e com quem trabalhava na Agência Folhas. Ele veio a ser anos depois por longo tempo diretor de redação de uma prestigiosa revista nacional. Eu adorava as reuniões de quinta-feira em sua casa no Paraíso (o pai era médico e deixou para ele uma charmosa casa numa rua cheia de árvores e se mudou para um apartamento próximo).

A mulher dele, depois das reuniões, nos regalava com almoço que se não era sofisticado, era delicioso. E a conversa era boa. Eu estava ali, mas achava tudo aquilo um saco. Muito juvenil. Mas também não podia me dar ao luxo de me isolar no meio da selva de pedras (como diria Manoel Cabral, jornalista de Maringá). No primeiro dia de revolucionário descobri que tinha que ter codinome. Ninguém podia me chamar de Edilson durante as reuniões nas quais não tinha ninguém além da gente. Aquilo foi tão irreal que me pegou de surpresa e para minha surpresa até hoje eu disse o nome de meu pai, com o qual nunca me relacionei, quer dizer, depois de um ano de idade quando sai de casa (e fui para a casa de minha vó onde fui criado).

Eu disse: “Julio”. O secretário da célula protestou: “Julio não pode, porque já tem”. Eu insisti: “Então Julio Cesar!”. O cara protestou: “Julio Cesar é nome de imperador romano”. Eu bati o pé: “Melhor ainda”. E virei revolucionário com nome de imperador romano. O problema destas organizações é que você fala, dá opinião e palpites, mas no final vale o que os bacanas do Comitê Central decidem. Eu sai da OSI porque um dia quis dar palpite. Achei que o pessoal tava fora da realidade. Parecia estar em outro mundo. “Nós temos que estar onde os operários estão. E hoje eles estão no ABC organizando o Partido dos Trabalhadores. Temos que entrar no partido para dar a ele uma direção revolucionária”. Falei bonito.

O secretário anotou com desdém o que eu disse, levou para o CC e na semana seguinte tinha o diagnóstico: o PT era um subproduto da burguesia, eu estava equivocado e a gente (quase uns gatos pingados) tinha que levar a sociedade para a revolução sem o PT. Achei bobagem, mas fiquei quieto. Um mês e meio depois o secretário apareceu com cara de cuia e disse que o pessoal da OCI em Paris estava puto com o CC da OSI no Brasil, porque tava na cara que naquele momento a organização do PT era a única coisa que envolvia os trabalhadores. E mandou todo mundo largar de ser besta e entrar o mais rapidinho no partido. O secretário olhou pra mim desconfiado, mas eu não disse nada. Na semana seguinte não fui mais. Eu estava certo e o pessoal do CC errado. Eu não ia ficar numa organização em que o pessoal não sabia o que estava fazendo. E por alguns anos resolvi ser anarquista. Achei que combinava mais. Claro que deixei de ser o revolucionário com nome de imperador romano.

1 de October de 2020by edilsonpereira
Crônicas

Bob Dylan morreu no Largo da Ordem

A Polícia Civil prendeu na sexta-feira, dia 18 deste mês, uma mulher que confessou ter assassinado Bob Dylan dos Santos Nascimento, de 30 anos, com facada no peito. O crime aconteceu na Travessa Nestor de Castro, centro de Curitiba, em 13 de agosto, por volta de uma hora da madrugada. A facada atingiu o coração da vítima. A mulher, de 25 anos, foi detida nas proximidades do Largo da Ordem, região em que ocorreu o homicídio. A mulher prestou depoimento acompanhada de advogadas e confessou o crime. Ela contou que ficou com ciúmes de sua companheira que teria sido assediada pela vítima. Depois disso ela e Bob Dylan tiveram discussão, entraram em luta corporal.

Dylan teria levado a pior, ocasião em que teria dito: “Eu não vou apanhar de mulher. Isso não vai ficar assim. Eu vou me vingar”. A mulher então se afastou, arrumou uma faca que ocultou nas costas e voltou para discutir com Bob Dylan. Ele não percebeu a arma branca com a mulher. E na segunda discussão ela desferiu um golpe certeiro e fatal no peito dele. Dylan morreu no local. Ele era conhecido na região central da cidade por viver nas proximidades do Largo da Ordem. Segundo a homicida, ele atuava como traficante na área. A mulher teve prisão temporária e vai responder por homicídio qualificado.

Este crime recorda uma história da série Crimes de Paixão da Tribuna do Paraná, publicada no primeiro semestre de 2012. O título da reportagem era “Bob Dylan morreu no Tanguá”. Existem semelhanças entre os dois casos. Aquela morte também teve motivação passional e Dylan, que tinha vinte e dois anos, morreu com facadas no peito por volta das cinco horas do dia 16 de maio, também de madrugada. Neste caso, Dylan queria voltar com a ex-mulher, mãe de um filho seu, que morava nos fundos da casa de um avô de sessenta anos. O velho já havia entrado em luta com Bob Dylan. Na última vez, o jovem morreu.

No entanto, o Bob Dylan da história do Tanguá, na realidade se chamava John Lennon. A troca de nomes ocorreu porque na hora de publicar a série de dezoito histórias, o jornal decidiu mudar os nomes dos envolvidos para não prejudicá-los socialmente, uma vez que muitos que foram presos estavam recuperados socialmente. Como uma das razões do interesse pela história de John Lennon era o nome famoso, não fazia sentido mudar para um nome desconhecido. E, por isso, optou-se por Bob Dylan. A opção foi feito por ser um nome raro na crônica policial. Sempre acontecia de pessoas com nomes de artistas serem presas. Os principais eram John Lennon, Elvis Presley e Alain Delon. No mês de agosto apareceu Bob Dylan. Que teve um desfecho muito parecido com a morte de John Lennon. De Curitiba, claro. Se o Lennon do Tanguá estivesse vivo estaria com a mesma idade do Bob Dylan do Largo da Ordem. Trinta anos.

 

25 de September de 2020by edilsonpereira
Crônicas

“Eu não vi Viviane Malone”

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Deixei o litoral numa quinta-feira depois do almoço. Foram oitenta dias longe da capital. Seis de agosto quente e ensolarado para um inverno, com extensas camadas de nuvens, como flocos de algodão levitando no céu azul. A cachorra resfolegava no banco traseiro do carro, um Sendero branco. Latia sem parar. Parei duas vezes no caminho para ela beber água e urinar. Mas ela continuou a resfolegar e latir. Até cansar e deitar no banco traseiro. Eu voltava do litoral com saldo positivo. Mais de vinte contos na bagagem e oitenta dias de bons almoços, com peixes e vinho, e jantares frugais. E também imagens de passeios por praias desertas ao fim de cada dia. No começo, os passeios eram com máscara no rosto, ainda motivado pelo temor de ser contaminado pelo vírus. Não demorou para perceber que numa área em que não havia alma viva, lugar rústico e de pouco acesso, não fazia sentido a sugestão do protocolo. Era libertador andar sem máscara na imensidão de areia entre a restinga e o mar. Os passeios contribuíram para amenizar a angustia provocada pelos noticiários noturnos, sempre com notícias ruins.

Não aguentava mais ouvir:

“O número de mortos hoje chegou a…”

Era sempre a mesma ladainha macabra. Uma estatística interminável e crescente. A longa estadia no litoral contribuiu para eu atingir o segundo objetivo na pandemia que era não ficar louco antes de agosto, quando se acreditava que as coisas poderiam estar voltando ao normal, caso os índices de isolamento social sugeridos pela Organização Mundial de Saúde fossem respeitados. Chegar vivo à normalidade era o primeiro objetivo. Não fiquei louco até agosto, mas as coisas não voltaram ao normal. Quer dizer, houve relaxamento geral e as contaminações e as mortes aumentaram. Isto não poderia ser considerado normalidade. No entanto eu não poderia ficar longe de casa por tempo indeterminado. Por isso decidi na terça-feira à noite voltar, ainda que para ficar entocado no apartamento. Pelo menos teria a companhia dos livros. A volta ficou acertada para quinta-feira depois do almoço. Estava agora no interior do automóvel que cortava a estrada com montanhas e vegetação nas duas margens e aproveitei para fazer ligeiros balanços.

“Vi tudo o que era para ver e descansei o que era para descansar.”

Na bagagem trazia histórias que ouvi, anotei e escrevi. Era o que tinha para fazer nas horas vagas. Escrever e ler. À noite, até pedaços de velhas novelas da Globo, reprisadas por causa da pandemia, eu vi. As produções foram interrompidas. E os artistas estavam em quarentena. Nenhuma novela era com a minha amada Viviane Malone. Mas nada era perfeito. A viagem durou duas horas e meia. Ao chegar na capital me espantei com a agitação e aglomerações. Pequenos congestionamentos. Se ao sair para o litoral em maio, as ruas não estavam desertas como seria prudente, mas pelo menos com pouco movimento, ao voltar estavam cheias de gente e carros.

Murmurei como estivesse em outro planeta:

“Isto é absurdo!”

Era inevitável pensar que o vírus iria fazer festa e a pandemia não teria prazo para terminar. Como seriam os próximos meses eu não tinha a menor ideia. Ao chegar ao apartamento, depois de tirar o que havia no carro, atendi uma ligação do litoral. Era Macedônio Hernandez, o argentino dono da churrascaria a poucos metros do mar e que me emprestava o Fusca para conhecer as praias distantes e desertas de Guaratuba.

Ele perguntou como se não soubesse:

“Você foi embora mesmo?”

Eu sentei na poltrona da sala, olhei através da janela do apartamento o céu azul cheio de nuvens e disse sem entusiasmo:

“Não posso fugir do vírus até o fim de meus dias. Vi tudo o que tinha para ver. Fui onde tinha para ir. Estava na hora de voltar. Não tinha mais o que fazer aí. O lugar é agradável, bom para se escapar do vírus, mas agora estou de volta pro meu aconchego, trazendo na mala bastante saudade.”

Ele riu do outro lado.

“Pois acho que você está enganado!”

“Por quê?”

“Sabe quem esteve aqui ontem à noite jantando no restaurante com a irmã?”

Eu não tinha a menor ideia.

“Não!”

“Viviane Malone!”

Aquilo foi um choque. Ela era o meu xodó.

“Viviane Malone?”

“Exatamente.”

“O que ela estava fazendo aí?”

“Ela está em casa de parentes. A duas quadras de onde você estava. A família tem casas aqui na cidade há muitos anos.”

Mal acabara de botar os pés no apartamento e já estava perplexo, um pouco arrependido de ter voltado.

“Não acredito!”

“Ela está aqui há dois meses. E vai ficar até a pandemia acabar.”

Eu murmurei atônito:

“Viviane Malone!”

Macedônio Hernandez riu do outro lado enquanto dizia:

“Exatamente.”

“Ela perguntou de mim?”

Macedônio Hernandez soltou uma gostosa e humilhante gargalhada e disse zombeteiro:

“Ela nem sabe que você existe!”

Era verdade. Viviane Malone nem sabia da minha existência. Mas eu sabia quase tudo da existência dela. Incluindo os três casamentos.

Eu pensei:

“Como as atrizes gostam de casar!”

Eu disse com uma ponta de suspeita:

“Mas o restaurante abriu na pandemia?”

“Está tudo aberto aqui, amigo. Não tem como controlar este povo irresponsável. O prefeito desistiu.”

“Que loucura!”

“Eu adoro este país. Mas ele mais parece um hospício que outra coisa.”

Eu pensei que era verdade.

E perguntei:

“E se aparecer alguém contaminado?”

Macedônio Hernandez respondeu;

“Estou fazendo minha parte. Estacionamento exclusivo e mesas personalizadas.”

Aquilo era uma piada. Eu perguntei:

“O que são mesas personalizadas?”

“Foi um troço que eu inventei aqui. Mas existe algo parecido em Buenos Aires. Privacidade, intimismo e discrição. Gastei algum dinheiro com marceneiro e vidraceiro e valeu a pena.”

“O que você aprontou?”

“Separamos o restaurante em pequenos quiosques envidraçados. Totalmente isolados um do outro. Cada um distante do outro. Totalmente higienizados depois de usados. São dez quiosques. Quem entra não tem contato com ninguém. Não tem auto atendimento. É tudo a la carte. Só entra quem faz reserva antecipada. Cardápio escolhido com antecedência para não ter espera. Quem não segue a regra, não entra. Segurança total. Deu um charme elitista, mas funcionou. A clientela voltou. E só gente bacana.”

Por gente bacana ele queria dizer endinheirada.

Eu disse:

“Até Viviane Malone foi conferir!”

“Até Viviane Malone conferiu e gostou.”

“Puta que pariu!”

“Na crise estão as boas oportunidades.”

“E agora? O que eu faço?”

O meu amigo argentino disse:

“Acho bom você pegar a cachorra e voltar correndo. Talvez possa encontrar a sua amada no meu restaurante. Ou numa praia deserta. Numa praia deserta tudo pode acontecer. Pense nisso!”

Eu nem respondi. Era uma piada. Da qual só ele achou graça, porque estava rindo. Quando parou de rir, disse:

“Eu posso ficar alerta. Quando ela agendar para vir aqui de novo eu te aviso. O que acha?”

Achei que fosse outra piada:

“Não posso ficar mudando de planos como estas atrizes mudam de maridos.”

Era uma boa frase. Ele riu mais uma vez.

Ele disse:

“Este mundo é um pandeiro, meu amigo!”

Pensei: filme de 1947, com Oscarito e Grande Otelo.

E respondi:

“Este mundo é um hospício, amigo.”

Macedônio Hernandez disse:

“Filme de 1944, com Cary Grant, Peter Lorre e Priscilla Lane.”

Era isso. Não tínhamos mais o que falar. Macedôno Hernandez falou para eu me cuidar e desligou. Disse que se quisesse voltar ele dava um jeito. Eu não ia voltar. Não fazia sentido. Embora gostasse de Viviane Malone, ela não tinha ciência de minha existência. Assim como as quinze atrizes estrangeiras das quais eu fiz um perfil por dia para a minha página no Facebook enquanto estive no litoral. Era um passatempo e que meus amigos gostaram. Logo de cara arrumei um pequeno e bizarro problema. Me propus a fazer um perfil por dia. E limitei em quinze divinas. Na hora de escolher não sabia que critério usar. Porque as divinas me acompanharam da infância a idade madura. Achei justo ceder às pulsações emotivas e eróticas do adolescente que fui e eleger as que mais intensamente habitaram a minha imaginação até por volta de vinte e dois anos. Não sei se foi uma escolha racional ou se foi homenagem ao devoto dedicado que fui a elas.

Ali na poltrona fiquei pensando:

“Elas foram por muito tempo namoradas impossíveis, mas sempre presentes!”

Era uma forma de ver as coisas. Depois de cada sessão dominical ou no sábado à noite no Cinema Maringá, no Cine Paraná e depois no Cine Plaza muitos rapazes voltavam com as suas namoradas para casa. Eu voltava com elas. Com as divas dos filmes que acabara de ver. Voltava feliz pensando nelas. O problema era que o sujeito viciava em mulher bonita e inacessível e ficava arrogante. Ele deixava passar muitas vezes a oportunidade de entrar na realidade sexual através de uma garota da cidade, simplória e de natureza generosa. Como se sujeitar a uma simplória depois de dormir sonhando com grandes divas. Na minha lista para os perfis do Facebook estavam Greta Garbo, Marlene Dietrich, Vivien Leigh, Renate Muller, Lupe Velez, Hedy Lammar, Rita Hayworth, Ingrid Bergman, Ava Gardner, Sophia Loren, Jeanne Moreau, Marilyn Monroe, Catherine Deneuve, Julie Christie e Rachel Welch. Quinze. Ainda nesta idade provecta elas me causavam embaraços. Quando terminei de publicar o último perfil senti um profundo remorso por ignorar Lousie Brooks, Jean Harlow, Lauren Bacall, Gene Tierney, Grace Kelly, Audrey Hepburn, Maria Félix, Kim Novak, Gina Lollobrigida, Jane Fonda, Brigite Bardot, Candice Bergen, Monica Vitti, Monica Belucci e Kim Bessinger. Quinze. E seria possível fazer outra lista com mais quinze. E depois dessa, outra. Era como as tivesse traído. No começo do ano, antes da pandemia, estive no litoral e me encontrei com Macedônio Hernandez. Eu lhe falei do entusiasmo juvenil por estas mulheres e ele ficou estarrecido.

Ele perguntou:

“Mas não há nenhuma brasileira entre elas! Você não gosta das brasileiras?”

Era uma boa observação. Eu respondi:

“Claro que eu gosto. Mas evito escrever sobre elas para não arrumar confusão.”

“Como assim?”

Então lhe contei o episódio entre eu e Sônia Braga. Aconteceu no primeiro semestre de 2013. No Facebook, este terreno escorregadio e dinâmico. Um amigo fez comentário um tanto empolgado sobre a atriz que nasceu em Maringá. O comentário foi embaixo de uma foto dela na rede social. Acrescentei algumas coisas. Em menos de cinco minutos apareceu uma mensagem no in box. Fui conferir. Era Sônia Braga.

Ela perguntava:

“Por que você está falando isto de mim?”

À princípio pensei que se tratasse de perfil falso. O Facebook tem muito disso.

Eu perguntei:

“Sônia, é você?”

“Sim. Claro que sou eu.”

“Onde você está?”

“Estou em Nova York.”

“E como você sabe que eu falei o que eu falei?”

“Porque a foto embaixo da qual você fez o comentário está na minha página.”

Eu não sabia. Não tinha reparado. Pensei que fosse publicação de meu amigo. Era quase sempre assim. Eles publicavam fotos de atrizes famosas e sempre aparecia gente para fazer comentários.

Eu perguntei tratando de encurtar a conversa:

“O que você quer de mim?”

“Quero que apague o comentário. Ele é de natureza excessivamente íntima.”

Eu fui lá e apaguei o comentário. Ela agradeceu e esta foi a única vez que falei com Sônia Braga. Não foi um diálogo inesquecível, mas foi o que houve. Quando Macedônio Hernandez ouviu a história foi como lhe contasse uma grande piada. Meu amigo argentino tinha um humor original e era acostumado a achar motivo de riso em situações que eu considerava um tanto constrangedora ou desagradável.

Macedônio Hernandez perguntou, ávido de curiosidade:

“Mas o que você escreveu?”

“Nada demais. Não foi ofensivo ou obsceno. Mas foi algo que ela não gostou.”

“Mas você não se lembra?”

Eu me lembrava, claro. Eu disse:

“A minha tia foi vizinha da mãe da Sônia Braga quando ela morou em Maringá. Eu mencionei isto. Eu presumo que ela considerou a observação provinciana e não gostou.”

Macedônio Hernandez ria. Ele queria mais detalhes. Mas não havia mais detalhes. Foi apenas aquilo.

Ele disse, ainda enxugando as lágrimas dos olhos:

“Me diga que isto não aconteceu! Me diga que foi apenas uma boa história que você inventou para me divertir! Isto não pode ser verdade!”

Eu fiquei perplexo com tamanha excitação:

“O pior é que tudo isto foi verdade!”

E minha observação foi motivo para ele rir mais ainda. Ele achava cômicas estas situações. Como, agora, o episódio de Viviane Malone. Que foi frustrante. Ele me ligou apenas para eu saber o quanto irônico o destino foi comigo.

Como se o destino fosse um amigo nosso, ele disse:

“O destino te sacaneou, meu amigo!”

Ele achava que era caso de rir. Mas aconteceu. Por isso eu era cauteloso em relação às atrizes brasileiras. Mas havia uma lista enorme desde a pré-adolescência de atrizes brasileiras que me atraíram. Leila Diniz, Irene Stefânia, Sonia Braga, Sandra Brea, Vera Fischer, Monique Lafond, Alcione Mazzeo, Rose Di Primo, Darlene Glória, Kate Hansen, a lista era enorme. Algumas delas eram amigas minhas no Facebook. Algo que parecia impossível na juventude. Eu trocava comentários que certamente eram esquecidos em meio a dezenas ou centenas de outros. Mas muitas vezes recebia respostas amáveis. Não podia descuidar. O temor de uma destas senhoras, atualmente com idade superior a cinquenta ou sessenta anos, ler um comentário indiscreto e não gostar dele, por prudência, me manteve num território seguro. Era como o vírus. Todo cuidado era pouco. Por isso que nestes tempos de redes sociais em que um comentário feito no litoral do Paraná poderia ser lido em qualquer lugar do mundo vinte segundos teria de ser pensado antes de publicado. O risco com as divas estrangeiras clássicas e inacessíveis eram quase nulos. Elas certamente não se incomodariam com qualquer tagarelice ou inconfidência. A maioria não lia português e muitas sequer compartilhava este mundo conosco. As brasileiras estavam próximas e vivas e algumas até se transformaram em pastoras evangélicas. Havia risco em fazer qualquer inconfidência num ambiente virtual como se fosse uma mesa de bar. O episódio com Sonia Braga foi uma estranha e constrangedora coincidência, mas também um alerta. O episódio recente com Viviane Malone demonstrava que a prudência era necessária Ela tão próxima. A duas quadras da casa em que fiquei. Era estarrecedor

Eu murmurei:

“Por esta eu não esperava!”

Eu lembrei do sonho que tive de madrugada, antes de acordar para preparar as coisas para a viagem:

“Será que o sonho quis dizer alguma coisa?”

Os sonhos dizem alguma coisa. A bíblia está cheia de exemplos. Eles têm um significado. O diacho é que nunca consigo decifrar. Para mim eles sempre foram como hieróglifos. Eu não sou criptógrafo de sonhos. Mas o sonho incomum e enigmático foi o seguinte. Sonhei com um livro de textos sobre futebol chamado “Enfim, craque!”. Até aí tudo bem. O livro foi escrito por Henry Kissinger e publicado pela Editora Schwarcz. Não era Companhia das Letras. Era Editora Schwarcz que é o nome legal da Companhia das Letras. A Schwarcz era uma editora brasileira com filial em Berlim, que também estava publicando o livro, mas em alemão, claro. A Alemanha era a terra natal de Kissinger. Ele nasceu em Fürth e como era judeu os seus pais fugiram das perseguições nazistas para os Estados Unidos em 1938. Kissinger foi para Harvard e virou um bacana nos Estados Unidos. Ele ainda estava vivo com noventa e sete anos. Nem vou gastar tempo falando do sujeito ambíguo que foi na política. Infame principalmente para os países da América do Sul onde incentivou golpes de estado na Argentina, Uruguai e Chile. Mas ele gostava de futebol. O que fazia dele um sujeito estranho porque os americanos gostavam de beisebol, basquete, futebol americano, hóquei, boxe, automobilismo, tudo menos o que chamavam de soccer. Hoje mudou um pouco. Mas não muito. Kissinger gostava tanto de futebol que estimulou o nascimento do Cosmos, equipe de Nova York nos anos 70 que contratou Pelé, Carlos Alberto, Chinaglia e Beckenbauer. Mas este livro com o qual sonhei não existia. Assim como não existia uma unidade alemã da editora que o publicou. Achei o título do livro interessante. Mas era um livro que não existia.

Eu não conseguia estabelecer relação do sonho com coisa alguma:

“Não é possível que este sonho tenha alguma coisa com Viviane Malone!”

Claro que não tinha. Deixei a sala onde atendi o telefonema de Macedônio Hernandez e fui para o quarto de livros pesquisar alguma coisa sobre Viviane Malone. E depois passei a ver fotos dela. A garota que eu amava tinha entre vinte e poucos anos até trinta e oito. A Viviane Malone que foi se refugiar da pandemia em Guaratuba estava com quarenta e nove anos. Era linda ainda. Mas uma senhora. Não era mais a garota que eu gostava. Ou era?

Era motivo para reflexão.

Eu conclui:

“Ainda gosto dela!”

E por quê? Macedônio Hernandez também perguntou no começo do ano quando lhe contei a história de Sônia Braga e lhe falei das atrizes brasileiras de quem gostava.

Ele quis saber:

“Por que você gosta de Viviane Malone”

O argentino achava o rosto de Malone melancólico, embora de candura de mártir, como fosse madona renascentista. Tinha cabelos negros, olhos tristes. Um metro e setenta. Era mineira, filha de engenheiro e pianista irlandesa, de onde veio o sobrenome. A mãe a incentivou a se interessar por arte e ela fez teatro na faculdade. Aos quatro anos foi para a capital do Paraná onde passou dezessete anos e em seguida foi para o Rio de Janeiro. Atuou em trinta e sete produções para a televisão entre novelas e séries especiais e em vinte e três filmes para o cinema. Ganhou meia dúzia de prêmios e passou a desenvolver atividades ligadas aos movimentos populares. Conviveu com o antropólogo Darcy Ribeiro que influenciou seu interesse por causas sociais. Outra influencia foi o bispo catalão Pedro Casaldáliga que a levou a se interessar pelos destinos dos índios brasileiros. Ela o conheceu quando fez um filme no Araguaia. Estas preocupações eram consideradas bizarras nos meios artísticos que cultivam futilidades, vaidades e insignificâncias, mas sempre atraíram minha curiosidade.

Eu pensava com meus botões sobre o interesse dela por índios e pobres:

“Tudo isto é real ou não passa de mistificação?”

Com o tempo achei que o interesse dela era verdadeiro. Estas coisas poderiam sugerir que a vida dela fosse um livro aberto. Nada. Ao seu modo era uma espécie de Greta Garbo. Com muitos segredos. Talvez, ela repetisse apenas o calvário das divinas para chegar ao pedestal em que a admiramos e com ela sonhamos. Todas tinham as suas feridas. Vera Fischer se queixou de um pai violento, nazista convicto que a obrigava a ler Mein Kampf em alemão. Marlene Dietrich, a divina de Anjo Azul, era odiada em seu país por se opor ao III Reich. Ingrid Bergman foi considerada uma devassa por deixar os Estados Unidos para se casar com um cineasta italiano. E assim por diante. Acredito que por isso o destino não quis que conhecesse Viviane Malone. Para o encanto por ela não quebrar quando entrasse no sagrado território de sua intimidade. Era algo semelhante a um livro que não existia além da residência dos sonhos. E para mim restou nada mais que uma frase patética e insignificante para as últimas páginas de minhas memórias se um dia forem escritas:

“Estive quase ao lado dela durante oitenta dias da pandemia. Mas eu não vi Viviane Malone.”

Acho que isso era tudo.

 

10 de August de 2020by edilsonpereira
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EDILSON PEREIRA

Edilson Pereira é escritor, dramaturgo e jornalista.

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 “Existem só dois tipos de soldados aqui. Os mortos e os que vão morrer. Os russos estão por todos os lados. Eles vão descer como uma onda humana sobre a Alemanha. Mais cedo do que vocês esperam. Corram para a Espanha enquanto é tempo.” (O português dos olhos verdes)

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