Às 8h15 o telefone toca. No outro lado da linha uma voz de barítono entoa solene e vigorosa:
“Quem está falando?”
Eu digo que sou eu e a voz completa:
“Diga para o Samuel que eu estou aqui embaixo.”
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Às 8h15 o telefone toca. No outro lado da linha uma voz de barítono entoa solene e vigorosa:
“Quem está falando?”
Eu digo que sou eu e a voz completa:
“Diga para o Samuel que eu estou aqui embaixo.”
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Domingo à noite ele se enfezou com algo banal: um freguês derrubou o copo no chão do bar num bairro em Fazenda Rio Grande. O freguês era Joel. O dono do bar era Luiz Carlos. O freguês não gostou e puxou a arma calibre 38, que estava entre o corpo e a calça, sob a camisa. Seis balas no tambor. Luiz Carlos não se intimidou, saiu do balcão e tentou dominar o encrenqueiro. Ele foi para cima do encrenqueiro, os dois se abraçaram e Joel apertou o gatilho. A arma disparou. Um tiro só. Luiz Carlos caiu sobre Joel, os dois foram ao chão e o dono do bar morreu abraçado ao seu assassino. Ele ficou no chão do bar de bruços sobre o encrenqueiro que perdeu os sentidos, porque ao cair Joel bateu a cabeça no assoalho e desmaiou. Cena rápida, inesperada, brutal e fatal.
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Uma senhora de 65 anos entrou faceira no Água Verde-Abranches com blusa de listras vermelhas e brancas e saia branca. Ela estava de cabelos prateados curtos bem penteados e teve a sorte de achar um lugar logo no primeiro banco depois da roleta, justamente ao lado de Leonor, que mora no Abranches. Eram ou foram amigas. Ela sentou e a outra perguntou, com cara de espanto:
“Oi, Djanira! Tudo bem?”
Djanira disse que estava tudo bem e quis saber o motivo da pergunta. A outra respondeu um “nada não”, com os olhos arregalados no ombro direito da amiga. Ela perguntou ao mesmo tempo em que justificava o seu espanto:
“Depois de velha você resolveu fazer tatuagem?”
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Ao longo dos anos Carlos de Athayde aprendeu que a vida sempre reserva surpresas e os planos feitos nem sempre dão certo. E não seria diferente com a aposentadoria. Quando pensou que fosse descansar nos anos crepusculares, a neta engravidou de um sujeito que desapareceu, ela foi trabalhar e a mulher ficou em casa com um bisneto para cuidar. Até aí, fazer o quê? O diacho é que mais uma boca, ainda mais de criança, pedia reforço no orçamento. E foi assim que ele foi parar na portaria do condomínio de luxo com uniforme que lhe dava aparência de almirante inglês do final do século 19. O uniforme era de menos. O problema eram os bacanas. Não foi preciso mais que dois meses para Carlos descobrir que existem três tipos de bacanas: os ladrões, os neuróticos e os pernósticos. E nenhum presta.
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Não há nada mais necessário e assustador numa redação que o telefone. Através dele chega ao jornal um sem número de informações. Algumas claras, precisas e preciosas, outras misteriosas, algumas sem pé nem cabeça e outras enigmáticas. Muitas resultam em reportagens e outras dão em nada. Faz parte do negócio. O telefone toca e o coração bate mais forte. Não tem como não pensar:
“O que será desta vez?”
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Zé do Caixão chegou à cidade no começo de 1975, num dia de sol, em princípio sem chamar atenção. Ele se vestia de preto, cartola negra, barba e unhas longas e olhar de soslaio, desconfiado como temesse alguma coisa. No começo provocou risos. Depois, curiosidade, quando alugou barracão que foi velha mercearia para fazer o que alguns chamaram de “templo negro”, porque foi pintado de preto e outros de “estúdio do Zé do Caixão”. O local passou a ser frequentado por curiosos e pessoas que acreditavam em Zé do Caixão, embora não soubessem o que ele queria exatamente, até porque ele não disse. O barbeiro Chico Tesourinha, hoje com 75 anos e aposentado, recorda o episódio.
“Toda ideia maluca, por mais absurda, sempre tem seguidor.”
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Leonildo era um escritor. Ele se casou com Sofia sábado ao meio dia numa cerimônia religiosa. Na segunda-feira ele estava nervoso porque na sexta-feira depois de anos sem vê-la ele encontrou Valentina, a primeira namorada. Os dois conversaram por duas horas na Praça Tiradentes e falaram sobre os velhos tempos. Naquela noite ele dormiu pensando em Valentina. Eu me encontrei com ele sábado de manhã e ele me disse:
“Você vê que situação? Olha só o momento em que eu fui me encontrar com Valentina? Na véspera de meu segundo casamento.”
O pior era que o namoro com Valentina terminou de um jeito que ficou a certeza de um ainda gostar do outro. Mesmo assim ele se casou com Sofia. E agora, casado pela segunda vez, Leonildo não sabia se gostava mesmo de Sofia ou se ainda tinha um pedaço de Valentina no coração.
“Que situação!”, exclamou.
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Alta, olhos verdes e cabelos castanhos. A chilena Rosita Serrano foi uma grande diva europeia dos anos 30. A sua vida dá um belo filme. Filha de Sofia Del Campo, soprano chilena, Maria Esther Aldunate Del Campo, segundo afirmou em algumas entrevistas, tinha um nome ainda mais longo: Sofia Maria Esther Del Carmen Rosário Celia Aldunate Del Campo. No entanto, ela ficou conhecida como “O Rouxinol Chileno”. O rouxinol que encantou os nazistas.
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Era um velho muito velho. Quando o porteiro disse que era um velho, eu pensei num velho bem velho, mas aquele era ainda mais velho do que o velho em que eu pensei. Wagner sentado no sofá disse:
“Te cuida, rapaz!”
Era uma saudação. Eu desci para ver o velho porque o porteiro disse que ele foi amigo do Sr. Raphael Munhoz da Rocha. Para quem não sabe quem foi, o Sr. Raphael era irmão mais novo do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto. Bento era filho do primeiro casamento do pai dele e o Sr. Raphael era filho do segundo casamento. O Sr. Raphael foi grande amigo de todos que o conheceram. Gente fina e de categoria. Que Deus o tenha na grande pradaria do universo na qual todos seremos pontos de luz. Por isso eu desci para ver o velhinho que disse ter sido amigo do Sr. Raphael. Além de irmão mais novo do Bento Munhoz da Rocha Neto, o Sr. Raphael foi repórter de turfe. Ele foi o último repórter de turfe do Brasil. Esse era fera. Tinha jeito especial de escrever, de informar o favorito, porque o azarão venceu, estas coisas. Sabia tudo de cavalo e de jóquei. Eu gostava de conversar com ele porque era atencioso, elegante, bacana e gentil. Eu não poderia fazer desfeita com um cara que foi seu amigo. Eu desci e pedi para o velhinho passar pela catraca e sentar no sofá na entrada do jornal porque achei que se ele ficasse em pé ali muito tempo seria um martírio. Ele entrou, sentou e disse:
“Eu vim para te contar uma história.”
Não era a primeira vez que isto acontecia. Em certa ocasião veio um senhor simpático de Porto Amazonas para contar uma história, mas na hora de contar a história empacou e não saiu. Com o velhinho a coisa fluiu. Depois de dizer que o seu nome era Lyzimaco e que estava com 86 anos, ele disse que o assunto era cavalo e aposta. Eu ainda estava impressionado com o esforço que ele fez para vir até a redação. Mas o danado parecia ler meus pensamentos porque disse que morava perto da Praça Zacarias e que toda manhã fazia caminhada por orientação médica. Ele apenas mudou o itinerário. Eu disse tudo bem. Bem, a história que o Sr. Lyzimaco contou é a seguinte: ele frequentou o Jóquei Clube do Paraná por muitos anos. Era apostador.
“Mas nunca ganhei nada.”
No entanto, havia na frente do prédio em que ele morava um engraxate – era este o nome antigo de lustradores de calçados.
O velho disse:
“O nome dele era Maneco. Maneco sempre me pedia para levá-lo ao Jóquei Clube. Eu não levava porque como todo mundo sabe, é lugar de gente chique e não de engraxate.”
Mas um dia, de tanto ser aporrinhado, o Sr. Lyzimaco colocou Maneco no Chevrolet cupê quatro portas de cor negra e foi para o Jóquei Clube. Chegando lá, Maneco quis apostar sem saber o que ia acontecer na pista.
O velho continuou a sua história:
“Eu, naturalmente, apostei no favorito e peguei azarão confiável como segunda opção. Maneco pegou Bandido com o número 4 porque gostou do nome do cavalo. Bandido não era nem azarão. Estava ali para completar o páreo 4.”
O velho suspirou fundo, como se o caso que contasse tivesse acontecido no dia anterior:
“Bandido era tão desconsiderado no páreo que quando foi dada a largada a casa pagava 30 por 1. Os favoritos saíram na frente e Bandido acompanhou. Na reta final não sei o que aconteceu com aquele pangaré, Bandido disparou e ganhou por uma cabeça. Por uma cabeça, como no tango de Gardel, que no caso perdeu por uma cabeça.”
O velho me olhou e perguntou:
“Pode uma coisa desta?”
Ele estava emocionado. Eu não entendo bem de corrida de cavalos, mas pela expressão do velhinho aquilo foi espetacular.
“O filho da mãe do Maneco voltou para casa com uma bolada no bolso e um grande sorriso na cara e eu voltei com cara de palerma conduzindo o ganhador do dia. Nunca me senti um otário tão grande.”
Eu pensei que devia ter sido muito constrangedor para ele. O velho terminou a história com uma confissão:
“Tem coisas que eu vou morrer e se voltar para este mundo eu ainda não vou entender. Esta foi uma delas. A sorte é uma dona muito caprichosa, meu amigo.”
Depois me encarou e disse:
“Era a história que eu queria te contar. Veja aí como você vai escrever este negócio. Mas foi o que aconteceu aqui em Curitiba. O ano foi o de 1957, 58, 59, nem lembro mais.”
Depois o velhinho virou as costas e foi embora. Wagner que ouviu tudo aquilo em silêncio, depois que o velhinho fechou a porta de vidro, me olhou, piscou e disse:
“Te cuida, rapaz!”
Era apenas uma saudação.
Publicado originalmente na Tribuna do Paraná no dia 19 de março de 2015.
Começou por causa de Pirata e Safado, dois vira-latas que ficavam na rua e se julgavam donos dela. A sobrevivência deles era garantida por uma dona que morava na casa enorme cercada por muros altos e brancos no meio da quadra. Ela deixava todos os dias comida e água no lado de fora da casa, encostadas no muro, perto do portão de entrada dos carros e distante do portão pequeno. Com sobrevivência garantida, Pirata e Safado protegiam a área. Latiam para quem passava na rua e perseguiam cães que se aproximavam. Eles não tencionavam dividir o alimento e nem a água. Talvez por gratidão, os dois não defecavam perto da casa dos muros altos e brancos e faziam à vontade entre uma esquina e outra, na rua ou mesmo nas calçadas vizinhas.
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